terça-feira, 15 de julho de 2008

Quarenta anos de crise – Parte I


Então é isso ai! Essa é a tal crise dos quarenta anos que ouvira falar quando era novo! Ultimamente não tenho ouvido mais. Mas, quando se vai fazer quarenta anos... bem...
Tenho essa propriedade de pensar profundamente a cerca de tudo. E quarenta anos de vida é um prato cheio. Minha família nunca me deixa na mão, de forma que eu posso filosofar mais tranquilamente. Não por muito tempo. Alguns que me conhecem há muito, os mais próximos cogitam de minha razão econômica. Argumento que muito me esforcei para ser quem sou e ter o que tenho. Caso tivesse me esforçado o mesmo tanto para ter dinheiro estaria rico.
Sei o quanto de tudo eu sacrifiquei. Mas a vida é de sacrifícios, dizem alguns.
Aprender, saber, foi meus primeiros desejos num pedido com os olhos fisgados no fugidio palpitante e multicolorido brilho das estrelas. Fascinava-me. Aqueles pontos brilhantes prendiam meus olhos à noite. De tanto olhar vi muita coisa se movendo lá em cima. A primeira vez tinha quatro anos.
Tive a nítida impressão de que determinada estrela saiu de seu lugar descrevendo um arco invertido para baixo deixando atrás de si um rastro largo e denso de luz flamejante. E, chegando a seu destino o rastro desaparece e a estrela continuou parada por toda a vida desde então. Sempre suponho ser a minha estrela guia, e penso que ela observa todos os meus passos; não interfere, apenas registra. Está lá no céu até o dia de hoje. A vi, morava ainda pequeno em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, no bairro Esplanada. Meu pai, Hélio (nome de um elemento químico) Emerich (cidade alemã), trabalhava na Éberle, nossa casa ficava pertoa da Marco Pólo (Explorador Italiano do século XV), que construía “ÔNIBUS”.
Nasci em Jacinto Machado aos vinte dois dias do mês de agosto de 1968, signo de leão, há quarenta anos! Mas por conta deste destino fomos para Caxias do Sul. Em 1974 meu pai desencarnava vitimado pela leucemia, caracterizada por um aumento do número de leucócitos, existência de leucoblastos no sangue. Minha mãe volta para Jacinto Machado, e traz consigo, nascido nos pagos gaúchos, nas dependências do Pompéia (cidade da Era Mitológica soterrado pelo vesúvio), meu irmão Adelor Emerich. Era começo de ano, eu já havia sido matriculado na escola gaúcha, e fazia a transferência da matrícula para a Escola Básica Santa Terezinha.
Sim! Lembro-me muito bem. Minha Primeira Professora foi a D. Marina. Descobri que eu poderia ler! Escrever! Saber coisas! Queria aquilo mais do que tudo. Minha alegria era imensa, eu dizia que queria aprender a Palavra Mundo: aprender a escrever “MUNDO”!


Quarenta anos de crise – Parte II

A Palavra Mundo

Queria conhecer o mundo. Tudo! E, ler era maravilhoso, saber das coisas lendo! Imaginava em minha mente de seis anos que para saber escrever a palavra “MUNDO”, teria que saber de tudo do mundo. No Mundo estava tudo! E eu queria conhecer tudo.
Fui o primeiro da turma a prender a ler, eu simplesmente lia tudo o que era letra, não perdia nada. Cartaz, placa, onde houvesse letras eu lia. A mais difícil na época era Dizer “ATLÂNTICO, nome de um posto de gasolina de então, que me escapa o proprietário, de qualquer forma o precursor dos postos de gasolina é o “Dido do Posto”. Sujeito simpático, que sempre sorria leve. Ao olhar para ele eu tinha a impressão que tudo estava bem. Seu sorriso era afável, e pensava que enquanto ele sorrisse, eu poderia ficar tranqüilo. Sua esposa, sempre discreta e reta, tinha um charme aos meus olhos de menino, e via nela uma luz dourada que brilhava, e ainda hoje, sua luz doira sua aura... e sorri discretamente.

Quarenta anos de crise – Parte III

A Biblioteca


Um dia, não sei como, fui parar na prefeitura, e dei de cara com a biblioteca. Uma moça magra, alta e muito gentil com interesse, me explicou que somente poderia fazer carteirinha de leitor, passando a ser sócio da biblioteca, quando chegasse à quinta série. Não perdi tempo reclamando da má sorte. Comecei a esperar ansiosamente pelo “ano que vem”!
Não demorou. Um dia fui ao dentista, Dr. Vanderlei, depois do meio dia, já previamente combinado com minha mãe, que antes passaria na biblioteca para fazer a “carteirinha”. E fiz! Peguei o Livro “Macaco Simão”.
No livro dois ratos querendo repartir um queijo procuram por Simão, o macaco, para que lhes ajudasse na questão. O macaco partiu o queijo ao meio, mas não ficara bem dividido, e um dos ratos não querendo ser prejudicado na partilha, reclama. O Macaco coça a cabeça e decide comer um pedaço do queijo maior na esperança de igualar as partes. O que não acontece, e o outro rato agora reclama que a parte dele está menor. O macaco coça a cabeça outra vez, e sem ter nenhuma outra idéia, decide comer um pedaço da parte maior. O que tão pouco deu resultado, e outra reclamação se fez, o que resultou em mais menos um pedaço de queijo. Com a seqüência reclamações, o queijo acabou.
Fiquei olhando para o fim da história meio sem jeito. Os ratos de olhos esbugalhados e o macaco espantado olhando as próprias mãos espalmadas para cima e vazias. Não conseguia decidir se o macaco fizera tudo bem intencionado, ou fora de caso pensado. De qualquer maneira a culpa é dos ratos que para não ficarem com menos, acabaram sem nada. Ainda assim minha mente filosófica tinha mais uma questão a resolver: Ou o macaco não sabia dividir e comeu o queijo por não ter outra idéia melhor, ou enganou os gulosos; entretanto os camundongos somente foram enganados por que não sabiam dividir. Conclui então que: “quem não sabe dividir fica sem nada”.
Li três vezes a história antes de ser atendido, e sai do consultório e fui correndo para a biblioteca trocar de livro.
Decepção total! Com muito tato por se tratar de um menino franzino de dez anos que amava os livros, Iria Just, a guardiã da Biblioteca Pública, explicou que somente poderia trocar de livro no outro dia. Ela não me conhecia e acreditava que eu não lera o livro, mas que, conforme era costume das crianças, apenas olhara as figurinhas. Fui desolado para casa, mas firme, o outro dia já era amanhã. Fui deitar mais cedo para pensar bastante.


Quarenta anos de crise – Parte IV

Pensando de Noite


Por preferir tudo bem entendido acabei escritor. O escritor começa escrevendo para organizar as idéias, depois passa a fazer ligações entre elas com palavras escritas; as idéias discorrem no papel em palavras felizes em sair do lápis.
As idéias também germinam, o Filosofo Grego Platão, há dois mil e quatrocentos anos asseverou que há um mundo das idéias, donde tudo tem origem. Pequeno ainda gostava de deitar cedo, enquanto ainda não tinha sono, para ficar pensando. Imaginava todas as coisas que meu conhecimento permitisse. Eu via uma realidade que ninguém mais via, e, com efeito, vivia entre as duas, mantinha o corpo nesta, mas o meu mundo era o das idéias.
Assim foi que minha visão se ampliou além do alcance e passei a ver o outro mundo. Seres que eram transparentes e atravessavam paredes. Alguns eram horripilantes, outros, míticos.
As idas á biblioteca se tornaram freqüentes. Virei amigo da Iria e do Professor Vircio Recco, digníssimo professor de português, redação e literatura, de Jacinto Machado. Foi ele quem me deu a Primeira Grande Dica: escrever o resumo dos livros que lia em um caderno, num modo de ficha de leitura corrida. Para minha alegria maior ainda, além do livro, sai da biblioteca, com uma borracha, um lápis e um caderno. Era o meu dia de sorte! Comecei escrevendo sobre todos os livros que lembrava; os livros que me permitiam pegar eram os infantis e fininhos, já havia lido muitos. Assim aprendi a organizar idéias, mas a minha letra nunca “garro jeito”.
Aprendi ainda como escrever idéias, e é o que há de mais perigoso contra as estruturas do poder. Um indivíduo que pensa é perigoso, um que sabe descrever a idéia deve ser ignorado. Para disfarçar começaram a denominar o ato de descrever idéias de “ARTE” e posteriormente chamaram de “LITERATURA”. Pronto. Estava formado o fosso que separa a descrição da idéia, da compreensão do texto.
O Gaúcho Mario Quintana, respeitável Poeta anjinho da asa quebrada, a vagar obrigado por este mundo, entre essa gente rústica e de maus modos, escreveu com tristeza que:
“O poeta pensa uma coisa, escreve outra coisa e o leitor entende uma terceira coisa, no final, a coisa propriamente dita começa a achar que não foi propriamente dita”.
Humberto Gessinger, Gaúcho e talvez por isso mesmo, também cerra os punhos contra o desleixo da compreensão da idéia e canta em sua milonga:
“Tudo se presume, se resume, se reduz, no final, o principal, fica fora do resumo principal!”
Está dito. Quem pensa sabe que descrever uma idéia exige persistência e determinação e que uma coisa depois de vista não pode mais ser ignorada. Tudo o que se vê influencia no que se pensa. Vigiar o que se vê e analisar tudo o que é visto é hábito constante de quem pensa. A matéria prima da mente é a vida. Não dá pra engolir sem mastigar. Abastadas vezes o gosto vem amargo, mas um conhecimento, uma vez adquirido não pode mais ser escarrado, e, engolir sem mastigar é congestão na certa. Mas todos querem tudo já mastigado, então para não ficar amargo arrancam o principal e entregam nas nossas mãos apenas as partes macias e leves, e suaves, e etéreas, sutis, fugaz, efêmeras.
Os reis aprenderam sempre rapidinho essa lição: Não divulgar o conhecimento e usá-lo covardemente para explorar os que ignoram. Quem quiser manter o poder precisa explorar a ignorância. Passei então a detestar Maquiavel e a olhar vigilante para quem elogia “O príncipe”. Mas, admirei Nietzsche.
Ler me fez ver que é preciso que tudo seja bem entendido. Amei a sabedoria! E, por amar demais o mundo das idéias, tornei-me filósofo!



Quarenta anos de crise – Parte V

Minha escola


Minha escola está na minha memória. A diretora era a “D. Quita”, Srª Maria Benta Pereira Tuon, que mantinha o educandário em ordem e com disciplina.
D. Ana batia a ”sineta” e todos os alunos se postavam em fila indiana, e muitas vezes recebíamos a ordem de: “Cobrir!”, o que fazia com que levássemos nossas mãos direitas sobre o ombro do individuo à frente. Ai de quem piasse ou fizesse qualquer gracinha. Quando “D. Quita” estava à frente dos alunos em fila, as respirações se reduziam ao mínimo suficiente para não fazer barulho com o ar.
Não entendia nada daquilo, fazia apenas porque era para fazer. Tinha também o “gabinete da D. Quita”. Contavam os mais velhos que feras habitavam o gabinete, os alunos, também eu, evitavam sobremaneira se aproximar, mesmo pelo lado de fora.
Gostava da sopa de feijão e de ficar parado olhando tudo.
Ficava curioso com a garotada jogando bola. Tentei jogar futebol algumas vezes quando criança, mas desisti. Todos corriam ao mesmo tempo em direção da bola e chutavam indiscriminadamente qualquer coisa entre o pé e a bola, incluindo canelas e joelhos. Voltava para os livros e à observação do ambiente, inclusive das pessoas.

Quarenta anos de crise – Parte VI

A competição

Não penso ser melhor que alguém. Nunca pensei. Quando criança, no período escolar via as atividades de “Educação Física” como um meio de interagir com os demais alunos: esportes e atletismo seriam apenas modos de relacionamento. Mas os alunos, instigados pelos adultos, queriam vencer, ganhar e comemorar. Os perdedores ficavam tristes e desolados, e eu me apiedava. Tinha pernas grandes e fortes e sabia que ninguém conseguiria ganhar de mim correndo na areia, eu costumava correr de pés descalços sobre pedras, na areia era muito fácil. Mas não gostava de ganhar, por que ficava um perdedor. Fui assim me afastando dos esportes e acabei sendo encarado pelos demais, alunos e professores, como uma pessoa inapta. Não sentia falta, tinha tudo o que precisava: uma biblioteca cheia de livros. E lia sem parar.
Essa tendência a não competir se manteve por toda a vida. Em qualquer jogo onde ganhar era mais importante eu perdia. Já os jogos de computador não têm a mesma sorte, não tenho nenhum sentimento em derrotá-lo, apenas sei que é preciso ser habilidoso e inteligente para vencer o programa.
No trabalho a tendência se manteve. Não conseguia imaginar que eu estava ocupando o lugar de alguém. Não queria ser o melhor da empresa, queria isto sim, servir com eficiência. Trabalhamos para servir a comunidade, não para ser o melhor de todos e ficar muito rico. Embora possamos ficar ricos trabalhando, o que quer dizer que então temos muitos compromissos com outras pessoas e empregados. Não consegui ficar rico por abandonar o campo de batalhas que se tornou o mercado de trabalho. Qualquer um é capaz de qualquer coisa para manter seu emprego. Se alguém tinha que cair fora podia ser eu. Sempre me restou os livros e o lápis numa folha em branco, e a certeza de que competir para ganhar não é comigo.


Quarenta anos de crise – Parte VII

Percepções


De pequeno percebia a diferença entre mim e os demais. A razão desconheço, mas a diferença existe. As brincadeiras e modo de viver das crianças era curiosidade para mim, eu não fazia parte daquilo. Tudo era algo a ser desvendado. Os insetos, o vento, a chuva, as estrelas, o sangue, o estômago, o pensamento, e todo o meio ambiente ao meu redor.
Minha família não tinha televisão, não me fazia falta a princípio, pois passava minhas horas do dia a observar atentamente a natureza. Aranhas tecendo teias era fascinante de assistir, permanecia horas em silêncio esperando o trabalho ficar pronto e depois horas esperando um inseto cair na armadilha e verificar o que a aranha faria. Vespas duelando com aranhas, sapos acasalando, marimbondos e joões-de-barro coletando barro em bolinhas, besouros levando bolas de esterco para o ninho, formigas trabalhando, observando até reconhecer que formigas diferentes tinham funções diferentes na sociedade.
Havia os humanos. Para aquele menino de seis a dez anos os humanos era intrigantes. Uns riam muito e alto, outros choravam muito e passavam o tempo reclamando, outros falavam de dinheiro o tempo todo, outros falavam dos outros.
Os livros que lia os lia por explicarem o mundo e por trazerem informações das partes outras do mundo as quais eu não tinha acesso “in loco”. Não lia porque era bom, porque precisava ler. Ninguém nunca, mas nunca mesmo, me disse que era bom ler. Eu lia porque queria informações sobre o mundo e os humanos. Eu queria saber tudo quanto me fosse possível saber.
Não gostava das costumeiras traquinagens infantis, e na maior parte do tempo vivia sozinho, vez que outra me juntava aos amigos do bairro ou da escola, mas por pouco tempo, eles gostavam de futebol e de luta, aquilo era desperdício de tempo. Já os conhecia e sabia como agiam, e agiam sempre da mesma forma. Os livros sim eram emocionantes, sempre terminava um livro com alegria, com satisfação, corria à biblioteca pegar outro, era na média de dois livros por semana.
Tinha ainda os gibis. Lia-os as montes, emprestava, trocava, comprava, onde houvesse gibi lá eu estava, e os jornais também.
Era costume na época ir ao açougue comprar carne. D. Jurema e mais tarde o Lauro, colocavam a carne numa sacola plástica e embrulhavam em um jornal. Bem, a carne ficava embrulhada apenas até alguns passos do açougue, depois o jornal vinha para minha mão, e voltava lendo para casa sem a menor pressa. Apesar das rígidas advertências de minha mãe, a situação se repetia sempre que tinha em minhas mãos algo que eu pudesse ler.
Ainda tinha a biblioteca da escola, a biblioteca da igreja além da biblioteca pública, que era riquíssima, tinha tudo o que se precisasse. Todos os clássicos, e as novidades, embora para mim tudo fosse novidade.
Na quinta série já sabia ler e escrever e os professores perderam a graça. Enquanto lecionavam eu sentava na última carteira e lia durante todo o período de aula. Minhas notas eram péssimas, mas o avanço progressivo na década de setenta me beneficiou. Entre a quinta e a oitava série (onze e quinze anos) li sobre a história do Brasil, O Sítio do Pica pau amarelo, a mente, os clássicos da literatura, poderes paranormais, ficção científica, queria saber como funcionava o pensamento, e queria entender Deus, a criação do mundo e a ressurreição de Jesus. Não tinha tempo de aprender matemática escolar com colchetes e “a vezes b”, mas os livros que me entregavam nas mãos eu lia todos, de história, português, ciências, inclusive os de matemática. Sexo também me interessava muito. Mas era do tipo romântico, e freado pela religião me mantinha afastado sobremaneira de contatos sexuais.
Em resumo, passava os dias e as noites lendo, e, com quinze anos comecei a escrever minhas idéias a respeito de tudo.


Quarenta anos de crise – Parte VIII

De mal com Deus



Batizado na igreja católica cresci respeitando profundamente o sagrado. Os mandamentos, os sacramentos e o evangelho norteavam minha vida. Sentia por observar cuidadosamente a vida, que algo superior deveria administrar tudo o que via. Sabia com certeza que estava sendo observado, até porque via o mundo invisível que muitos poucos viam e vêem. Deus era um fato, não uma teoria. Acreditava na existência de Deus como acreditava na existência dos neurônios.
Então estava tudo bem. Deus comandava a vida. Nós, mortais, precisávamos seguir as leis de Moisés, os mandamentos e Jesus, estaríamos a salvo e iríamos para o paraíso. Estava tudo bem até que enveredei minha curiosidade insaciável a atualidade nas mais diversas partes do mundo. Fiquei chocado com a china, com a URSS, a Alemanha oriental e particularmente chocado com a África e sua miséria, em especial com as crianças morrendo de fome.
Adultos que não respeitam as leis podem sofrer por isso. Mas crianças?! Não aceitei o fato. “Tudo é como Deus quer” me diziam, mas com que propósito Deus haveria de querer crianças morrendo de fome? E porque eu tinha que pagar pelo pecado de Adão? Protestei. Tentei ler a Bíblia Sagrada com mais atenção, participar mais das missas, até virei catequista. Mas não encontrava respostas para a miséria humana. Porque uma criança nascia em “berço de ouro” e outra para morrer de fome? Deus era seletivo, estava óbvio, eu não entendia por quê.
Com quatorze anos e ciente da complexidade do cérebro humano chamei Deus para uma conversa. Era um domingo de manhã, antes da missa tinha catequese, sete e meia mais ou menos, bradei aos céus: “Senhor Deus me desculpe, mas estou com sérias dúvidas a seu respeito, tenho muito medo do inferno, mas não será por isso que vou engolir o que me dizem. Nos deste um cérebro e inteligência certamente para pensar e raciocinar, e não para aceitar as coisas como são e pronto. Então usando da minha inteligência vou pesquisar a verdade e a partir deste momento estou duvidando de sua existência. Peço que me perdoe a ousadia mas sabes que tenho razão em pensar assim”.
Não fiquei mais muito tempo na igreja, comecei a pesquisar outras religiões e outros deuses, e pensava se todos iriam para o inferno por não serem católicos.
Na época ainda conheci a Seicho-no-ie, uma filosofia budista que me abriu novos horizontes, mas todos ali falavam muito em dinheiro e rezavam para ficarem ricos. Freqüentei por dois anos as reuniões e não progredia, então abandonei a filosofia e não entrei em nenhuma outra.
Por muitos anos ainda fiquei a procura de Deus e somente me tranqüilizei quando conheci Allan Kardec e o espiritismo, onde encontrei eco para as minhas observações. O ser humano era o gerador de seu próprio destino, Deus não crea sofredores, o espírito é imortal, cada um responde por seus atos, estamos evoluindo e a reencarnação é estágio necessário na evolução do espírito. Estava em paz com Deus, a história é que estava pela metade.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Navegando na Crise Parte II

A humanidade quer a felicidade a que custo?
Você quer ser feliz de que forma?
Se no caminho da felicidade vou construindo desafetos minha felicidade fica comprometida.
Nossa felicidade nunca é repleta por que parte dela faz parte da felicidade de alguém.
Estamos conectados dizem as escrituras do mundo inteiro. Mas o pobre ser humano ainda não entendeu que a minha felicidade é fazer o próximo feliz. Plantamos o que colhemos e não nos importamos com o que plantamos. Tudo é uma decisão! E, ao decidir uma reação se crea.
Então, temos uma outra questão: No que exatamente cremos?
Ou não cremos em nada disso, ou cremos.
O meio termo, já fomos informados, é do mal. E o mal sempre acontece quando negligenciamos as regras básicas da vida, cujo conhecimento há de nos tornar conscientes, Maduros e livres.
Isto suscita algumas questões!
Já temos noção da àrvore do conhecimento, mas não nos importamos com o resultado. Sabemos que estamos fazendo mal a alguém, por isto que fazemos! Temos consciência de nossas ações, sabemos que vamos prejudicar e, lamentavelmente, esta é a nossa intenção. Somos tão somente pequenos diabretes, egoístas e mimados, se crendo cada um, o príncipe e a princesa do mundo. Tem os que acreditam que não precisam dar sinal de entrada nas estradas, tem aqueles que mentem por crerem que é melhor assim. Tem aqueles que gostam muito, mas vão te contar uma coisa. Tem os que fazem porque alguém faria, tem os que fazem por que todo mundo faz. Então fico sabendo que não faço parte de todo mundo.
A questão outra é: temos o livre arbítrio, o temos exercido. Está esclarecido ainda que a para cada ação, há uma ação correspondente. Está lei é automática, põe-se em ação na decisão de agir. A intenção é tudo! É a energia gênese de tudo o que existe. Está faltando cada um ser o responsável por si. Tomar suas vida em suas mãos, parar de espalhar que os outros deixaram sua vida triste, por que isto é verdade. Temos que assumir a responsabilidade por nossos atos! Isto vai demonstrar nossa maturidade. Acusar e responsabilizar outros é ainda fase infantil do espírito humano que há pouco tempo saiu das cavernas.
Nossa sociedade é relativamente nova. Relativa porque a cada geração os conceitos são esquecidos e precisam ser lembrados e ensinados novamente. De modo que, os erros vêm se repetindo geração após geração. Não que não aprendamos com o erro, apenas não temos noção da história antepassada. Talvez neste ponto da questão encaixe o termo cultura, ostentando, como primeiro conceito, o conhecimento das histórias das humanidades. Neste conhecimento estaria a sabedoria para agirmos como civilização.
O pilar da sociedade é a cultura. Caso prefira viver sem responsabilidades, isto está bem, não me preocupa. Mas, assuma sua preferência. Seu modo de vida, e respeite os demais por possuírem o mesmo pleno direito de viver da forma que lhe aprouver.
O egoísmo que impera soberano distorce o raciocínio e afeta as relações. Caso seu irmão estiver precisando de ajuda, ajude-o. Não o acuse. Não o julgue. O auxílio que você da, é o auxílio que você recebe. O desserviço que você presta é problema que você arruma. O espinho que você lança é semente na sua estrada, estrada que só você vai ter que passar. Por egoísta ainda, o ser humano pergunta: “Porque tenho que passar por isto?”.
Então, obstaculizando nossa felicidade está o egoísmo.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Navegando na crise

Neste ano em que completo 40 anos de vida no planeta, uma série incontável de questões me surgem. Minha mente não para e eu quero pensar a respeito de tudo. Para entender o processo de viver e morrer estive investigando tudo o que pude. Teorias, conceitos, filosofias e religiões de todas as épocas e regiões do planeta me interessaram.
Fico algo espantado comigo ao perceber que muitas idéias comuns a certas crenças e conceitos já havia desenvolvido. Isto porque sigo uma lógica que independe de minha vontade, então me parece que dentro do emaranhado de conceitos de uma determinada crença e filosofia algumas idéias e conhecimentos estão corretos, ou no caminho correto, outros não.
A questão essencial do Infinito gera uma gama diversificada de conceitos. Alguns são puramente fantasiosos, com descrições que podem habitar apenas o âmbito da mente humana. Evidente ainda que a mente humana seja limitada. Querer compreender o que está além da imaginação é uma arrogância admitida somente em uma mente infantil. Querer ainda afirmar ter compreendido o infinito usando uma mente limitada para fazê-lo é de uma inocência pueril. Ao admitir o infinito é necessário também admitir que não pode ser concebido pela mente humana, simplesmente por ser, a mente humana, limitada, restrita ao conhecimento adquirido, que é bastante reduzido.
Posso admitir que seja eterno. Mas, não posso explicar de que forma sou eterno. Ao admitir a eternidade e admitir a morte (sem temê-la) é forçoso admitir que não serei eterno na forma que sou hoje. Este EU há de morrer e um novo ser há de surgir. A morte do corpo vai dar lugar a um novo ser, a um novo modo de vida. Caso não esteja preparado para este evento natural, a morte, tentarei fazer permanecer este ego (eu) no qual creio (ismo) gerando um retardo na minha própria evolução. Mantendo, ou tentando manter, a imagem antiga e já falida de mim mesmo.
Este fenômeno acontece mesmo enquanto na carne, o ser humano luta desesperadamente para manter sua própria imagem, evita desenvolver novas capacidades e novos aspectos de si mesmo, com o temor de não ser mais o mesmo. Teme tornar-se algo diferente, o que de fato é verdade. Podemos perceber que inclusive a própria evolução do espírito está vinculada a sua vontade. Por vezes o ser exige mais transformação do próximo que de si próprio. Embora essa exigência esteja vinculada a sua vontade, ou seja, querer que o outro mude de acordo com os próprios critérios.
Não temo a morte e anseio a transformação.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Entrando na crise

Queria entender o mundo antes dos quarenta anos. Isso já pensava em minha adolescência. Quando criança era mais radical, queria “morrer” antes dos quarenta, antes de ficar velho. Faz sentido. Sempre fez. Já nasci com a lembrança de minha programação akáshica, reconhecer, por conta própria, o inútil modo de vida desta humanidade em nível primário de evolução.
Morrer era, para aquele menino, morrer mesmo.

Hoje eu morri, e antes dos quarenta. Morri para um modo de vida velho e vicioso.

Ser ponderado depois de velho, pensava, não teria muitos méritos, embora seja melhor desencarnar sabendo, que na ignorância.

Foi na adolescência que decidi entender a vida antes dos quarenta. Foi uma grande luta, muito sacrifício, muita meditação, muita reflexão, muitas decepções, mas entendo a eternidade, o infinito, o cosmo, a existência, e isso, caros irmão, não tem preço, vale cada segundo de dedicação. É preciso querer morrer por isso, é preciso morrer para isso. Para conhecer a verdade é preciso sacrificar tudo! Até mesmo sua própria existência. Porque é morrendo que se vive a vida eterna. Morrendo para este velho ponto de vista humano, para o egoísmo exacerbado da posse e do desejo, infantil, de parecer mais e melhor que os demais. Quem tem a melhor roupa, quem tem o melhor carro, quem tem mais poder?

O ser humano é presunçoso e arrogante, e precisa mesmo de muito pouco para isso, os egípcios antigos já se consideravam deuses! Uns seres se consideram melhores que outros. Isto sim é ser infantil.

Não tenho nada e não sou melhor que ninguém. Sou apenas eu, e Deus nunca me prendeu.

Não tenho Ninguém

Desde pequeno sempre lutei pela liberdade. Vivia indignado com a escravidão e com os ditadores, me indignei até mesmo com os escravos, me perguntava por que se permitiam viver daquela maneira sem reagir. E me decidi por ser livre.

“Prefiro a liberdade a pão e água, que o cativeiro com caviar”. Não vendi minha mente, não vendi minha alma, não vendo meu corpo; vivo de acordo com minha consciência e a Deus presto contas.

Depois de querer libertar as gentes, seus corpos e mentes, percebi que também eu não poderia ser dono de alguém, que ninguém poderia ser meu dono também. Meus filhos não são meus filhos, estão ao meu redor e devo orientar-lhes sobre a humanidade em que se meteram e como devem viver de modo a evoluírem seus espíritos e ampliarem suas consciências.

Então, também não tenho ninguém, amo muitas pessoas, mas ninguém me pertence. E a ninguém pertenço.

No geral as pessoas precisam de um gancho psicológico, as mulheres de sustentação material, os homens precisam de posse. Pertencem e são proprietários de coisas e pessoas.

Amar e possuir são coisas distintas, juntá-las na mesma pessoa é infantilidade. Segue-se nos relacionamentos a mentira, a infidelidade, a deslealdade, cinismo, ironia, medo e culpa. Não é a toa que a humanidade anda tão depressiva e a procura de drogas e distração.

Não tenho ninguém, sou livre.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

40 anos de crise

Fui educado neste mundo. Sempre acreditei em tudo que me disseram. Começou com minha mãe, depois parentes próximos, vizinhos, os mais velhos em geral e a escola com seus professores que nada tem a professar.
Mas queria saber mais e mergulhei no mundo das letras, os livros, as revistas e a escrita.
Por conta de acreditar em tudo quanto me diziam, muito errei. No princípio pela fé, depois pelo orgulho, enfim pelo vício e, no fundo do buraco, por não ter escolha.
Desatar-me da tradição social e do convívio dos que ainda seguem o “modus vivend” operante é difícil. Mas insisto em viver meu próprio modo de vida, os amigos e amores foram ficando para trás, juntamente com todos os que vivem de forma descompromissada, fazem qualquer coisa, topam qualquer parada: “Não dá nada!”, dizem.
Não estou aqui me opondo contra alguém ou contra qualquer modo de vida, cada um deve viver a sua vida da maneira que mais lhe aprouver. A questão é que a princípio eu acreditei que era assim mesmo que se devia viver a vida: de qualquer maneira, atendendo apenas aos próprios interesses. Mas, isto gera várias vidas secretas entrelaçadas numa rede de mentiras e mentirosos que não suportei.
Apesar de não condenar ninguém, resolvi mudar de vida. Mentir nunca mais. E a partir daquele momento os sentimentos e necessidades dos outros passou a me interessar. Passei a perceber tristeza e vazio nas pessoas; desesperança, medo, fuga. Tantos que não sabem o que fazer de suas vidas, um desespero que leva às raias da loucura e do suicídio espetacular.
Senti uma grande compaixão. De mim e de todos nós. Vivemos enganados. Meu espírito nunca tinha paz. Nunca conseguia atender as exigências do mercado, nunca era bom o bastante e sempre havia alguém atrás me ameaçando os passos. Queria trabalhar para ser útil a humanidade, mas as empresas trabalham apenas para o lucro; tudo é bonito e anatômico para vender mais. Não há qualquer preocupação com o bem estar social, com o desenvolvimento humano.
Há muitos seres humanos hoje preocupados com o desenvolvimento da humanidade, é em busca destes que escrevo estas linhas.
Resolvi mudar minha vida, ser bom, desenvolver virtudes, bons hábitos, bons costumes, ser fiel, verdadeiro e monogâmico. Meu passado me condena, eu sei. Mas era um homem que acreditava no que a sociedade ensinou, hoje não acredito mais. Voltei-me para a espiritualidade e pretendo ser um homem religioso. Sei que é difícil romper com os velhos hábitos sociais, abandonar os vícios que desenvolvemos enquanto enganados, fugir do circuito integrado do sexo e da moda, mas sou forte e meu espírito de decisão aprendeu a suportar os revezes mantendo o amor e a compaixão.
Já não condeno ou absolvo mais ninguém, já não espero que me sejam fiéis e leais, já não tenho um ego articulado, vigilante e matreiro, esse Lúcifer que a sociedade de consumo pôs dentro de mim, e que por algum tempo aceitei como norma para viver entre os homens. Já não me importa morrer sozinho em uma calçada. Não mais entregarei meu coração e minha alma em troca das tolices que a sociedade gerou como indispensáveis.
Há quarenta anos estou de volta a este planeta. Repeti todos os erros de outras vidas. Mas agora chega! Sou um homem novo. Meu passado morreu pra mim!
Não escrevo para ser famoso ou ter sucesso, mas para dividir minha experiência com quantos já pressentem a nova aurora da humanidade, para gritar, a quantos seres humanos que cansaram de viver vidas de mentira, que eu também cansei e me declaro, a partir de hoje, um espírito livre das incongruências sócias e pago o preço que for preciso, mas repetir erros, nunca mais!

Antenor Emerich – terça-feira, 22 de abril de 2008